No início da sua vida em Montreal Hugo considerava-se feliz, não precisava de muito, apenas alguns amigos e o conforto ocasional do calor humano alheio. Contudo, com o passar dos anos a inquietude tomou conta de si.
" Talvez o corpo precisasse de menos coisas nesse tempo. Ou talvez a juventude fosse precisamente isso: a ilusão do domínio sobre os desejos do corpo (...) Com a idade, descobrira Hugo, o homem não se tornava menos exigente ou mais paciente; pelo contrário, a sua exigência extremava-se, a sua paciência ia chegando ao fim. Talvez fosse verdade aquela teoria de que cada ano,na vida de um adulto, representava uma percentagem cada vez mais pequena da sua existência."
É com Édouard que tarde, por volta dos seus 30 anos, vai aprender os rudimentos da música e iniciar o contrabaixo que mais tarde se concretizará no "Nutella" como ele lhe chama. Este será o seu companheiro ao longo da história.
No entanto, a música é tanto o seu alívio como a sua angústia. O medo de fracassar e a incapacidade de compor a sinfonia perfeita que lhe vai sugando a alma leva-o a um estado de autodestruição.
"Tinha sido o efémero, o hedonismo inconsequente, que o levara ao abismo: sabia que, no momento em que procurasse o aplauso- no momento em que o buscasse, como uma criança sequiosa busca o consentimento de um adulto_, procuraria também a inútil extensão desse prazer; quando o aplauso terminasse, procuraria o álcool, acabando por destruir aquilo que, durante uma hora ou hora e meia, acabara de criar."
O processo de criação é sempre algo doloroso que confere um alívio efémero quando concretizado, pois após a criação vem a dúvida e a desconstrução aos olhos do criador da obra criada. O nada passa a ser tudo e é reduzido novamente a nada.
Hugo decide então tirar um ano sabático. Viaja para Lisboa e procura a sua irmã Júlia para lhe dar abrigo, e em simultâneo recuperar a ligação familiar.
É logo nos primeiros dias da sua estadia que uma amiga da irmã, Elsa, o convida para assistir a um concerto no Coliseu de um pianista famoso. Ele acede embora faltando à sua promessa de se manter afastado da música. É durante o concerto que iremos assistir à disrupção do personagem, aquando Stockman, o pianista, num improviso, toca a melodia em que Hugo vem trabalhando desde sempre. Sente-se usurpado, confundido, ludibriado. Como seria possível tal acontecer, se a melodia se encontrava fechada na sua mente?!
A partir deste momento Hugo traça para si o objectivo de descobrir a qualquer custo quem é Stockman e como terá ele conseguido roubar-lhe a sua composição. A personagem entra em declínio, perdendo a própria identidade e na rua ele próprio passa a ser confundido com o pianista.
" Uma vez, num dia especialmente difícil, Hugo foi procurar num dicionário a definição de fracasso. Leu palavras que nunca usava:malogro;ruína;estrépito."
A iminência da catástrofe persegue-nos ao longo da estória de Hugo. Cada vez que ele quebra os fios que o sustentam na relação com a família e a sociedade , aproxima-se mais um passo do abismo. Desejamos que ele não caia, que o fracasso não o abrace e sentimo-lo como um murro estômago quando isso não acontece . Mas é inevitável e os acontecimentos desenrolam-se em catadupa. Vemos a fragilidade humana crua, como a estrutura mental é facilmente fracturada desconstruindo-se até não restar o homem e apenas a obsessão.
CLASSIFICAÇÃO: 5*
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