OPINIÃO:
AVISO: Esta opinião contém
spoilers.
Uma mulher de 50 anos, nascida no Canidelo, Vila Nova de
Gaia, revisora de profissão, e sem papas na língua, planeia vingar-se de um caubói
dezasseis anos mais novo durante as suas viagens entre Lisboa e a sua casa no
Alentejo.
“Todos os domingos vou a Lisboa, folga das revisões, e agora
para não dar um tiro nos cornos ou atirar com o jipe. No primeiro domingo
depois de o caubói estrear o texto pensei nisso a cada curva, Ao segundo
domingo já pensei melhor: dar um tiro nos cornos dele, atirar o jipe para cima dele.
Um Lada Niva de 1994 nas trombas, não sobrava muito, massa de pimentão de
filho da puta tenrinho.”
Este caubói conheceu-o ela no 1º de Maio de 2014 no Alentejo
, enquanto caminhava para o Castelo e
mantiveram uma relação tórrida até ele se revelar um perfeito cabrão.
“Crac de gravilha na ladeira e quando voltei a cabeça o gajo
estava ali, sol na cara. Há uma insolência nos gajos que fazem de conta que não
sabem que são giros. Aquele tipo de gajos que olham para baixo enquanto falam porque
só fumam tabaco de enrolar e depois de acenderem o cigarro ficam a cutucar as
pedras com a ponta do pé, com a ponta do cigarro entre o indicador e o polegar,
e quando levantam a cabeça olham para o fim do horizonte como se não estivessem
bem aqui, ou além houvesse algo que só eles veem, o que só realça o ângulo
agudo do maxilar, a protuberância da maça de adão (…) “
Ela decide então elaborar a dita vingança e escrever um
livro acerca da mesma, intercalando a sua história com a de alguns escritores,
Balzac, Joyce, Nelson Rodrigues, que clarificam a sua dor e em simultâneo funcionam como pano de fundo
ao seu objectivo, quer pelas suas narrativas, quer pelas suas histórias de
vida.
«Isto tudo para chegar a duas frases d’A Mulher de Trinta Anos que foram uma revelação quando as li ontem
à noite. A primeira diz : “ A paixão faz um progresso enorme numa mulher no
momento em que ela crê ter agido ter agido pouco generosamente, ou ter ferido
uma alma nobre.” E a segunda conclui:” Nunca se deve desconfiar dos maus
sentimentos no amor, eles são muito salutares; as mulheres não sucumbem senão
ao golpe de uma virtude.”»
Só posso dizer que Alexandra Lucas Coelho escreve
belissimamente bem, de uma forma crua e clara que transmite o âmago das personagens,
tendo a capacidade de nos enredar na história e querer devorá-la num só trago.
CLASSIFICAÇÃO: 4
*
Alexandra Lucas Coelho nasceu em Dezembro de 1967. Estudou teatro no I.F.I.C.T. e licenciou-se em Ciências da Comunicação na Universidade Nova de Lisboa. Trabalhou dez anos na rádio continuando ainda hoje a colaborar com a RDP. Desde 1998 é jornalista no Público. A partir de 2001 viajou várias vezes pelo Médio Oriente / Ásia Central e esteve seis meses em Jerusalém como correspondente. Foram-lhe atribuídos prémios de reportagem do Clube Português de Imprensa, Casa da Imprensa e o Grande Prémio Gazeta 2005. Em 2007 publicou «Oriente Próximo» (Relógio D’Água), narrativas jornalísticas entre israelitas e palestinianos. «Caderno Afegão» é o seu segundo livro.


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