"Brasileira de origem ucraniana, Clarice Lispector deixou um rasto singular na literatura de Língua Portuguesa. Amo esta língua, dizia. Não é uma língua fácil. É um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve querendo roubar às coisas e pessoas a sua primeira camada superficial. É uma língua que por vezes reage contra um pensamento mais complexo. Por vezes o imprevisto de uma frase causa-lhe medo. Mas eu gostava de manejá-la - tal como outrora gostava de montar um cavalo para o levar pelas rédeas, umas vezes lentamente, outras a galope. "
Excerto do conto " A Mensagem"
"A princípio, quando a moça disse que sentia angústia, o rapaz se surpreendeu tanto que corou e mudou rapidamente de assunto para disfarçar o aceleramento do coração.(...)Assim, engolida emocionadamente a alegria involuntária que a verdadeiramente espantosa coincidência dela também sentir angústia lhe provocara — ele se viu falando com ela na sua própria angústia, e logo com uma moça! ele que de coração de mulher só recebera o beijo de mãe.(...)Assim continuaram a se procurar, vagamente orgulhosos de serem diferentes dos outros, tão diferentes a ponto de nem se amarem. Aqueles outros que nada faziam senão viver. Vagamente conscientes de que havia algo de falso em suas relações(...)Procuravam-se cansados, expectantes, forçando uma continuação da compreensão inicial e casual que nunca se repetira — e sem nem ao menos se amarem. O ideal os sufocava, o tempo passava inútil, a urgência os chamava — eles não sabiam para o que caminhavam, e o caminho os chamava. Um pedia muito do outro, mas é que ambos tinham a mesma carência, e jamais procurariam um par mais velho que lhes ensinasse, por que não eram doidos de se entregarem sem mais nem menos ao mundo feito.(...)Era uma das ruas que desembocam diante do Cemitério São João Batista, com poeira seca, pedras soltas e pretos parados à porta dos botequins. Os dois andavam na calçada esburacada que mal os continha de tão estreita. Ela fez um movimento — ele pensou que ela ia atravessar a rua e deu um passo para segui-la — ela se voltou sem saber de que lado ele estava — ele recuou procurando-a. Naquele mínimo instante em que se buscaram inquietos, viraram-se ao mesmo tempo de costas para os ônibus — e ficaram de pé diante da casa, tendo ainda a procura no rosto.
Talvez tudo tivesse vindo de eles estarem com a procura no rosto. Ou talvez do fato da casa estar diretamente encostada à calçada e ficar tão "perto". Eles mal tinham espaço para olhá-la, imprensados como estavam na calçada estreita, entre o movimento ameaçador dos ônibus e a imobilidade absolutamente serena da casa. Não, não era por bombardeio: mas era uma casa quebrada, como diria uma criança. Era grande, larga e alta como as casas ensobradadas do Rio antigo. Uma grande casa enraizada."
Clarice Lispector não é uma escritora que se leia de um só trago. Há que demorar-nos em cada palavra, em cada frase, e absorvê-la no seu todo até nos fundirmos com a própria estória.
Neste conto Clarice fala-nos da busca do Amor como meio de encontramos o nosso complemento.
Mas essa plenitude que as personagens anseiam, verificamos nós, ser apenas momentânea, pois o Homem é um ser único e individual, angustiado e incompleto por natureza. A busca essencial do Eu impossibilita a sua união plena ao Outro.
Depois de encontrarem o seu complemento, o casal parte à busca de outra coisa que os faça sentir o mesmo nível de satisfação inicial, a mesma excitação, e é aí que encontram a Casa.
A Casa que aparece como monstruosa e simultaneamente frágil, representa para os dois o que é o Amor, e define a permanente existência da angústia essencial e a precariedade da felicidade.
Clarice Lispector dizia " Que se há-de fazer com a verdade que todo o mundo é um pouco triste e um pouco só."

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